
Aglianico – como beber um vulcão

Os antigos romanos sempre foram grandes apreciadores de vinho, e antes deles, os gregos. Ambos tinham atenção particular para a região da Campânia. Poetas como Horácio, Virgílio e Plínio exaltaram as qualidades dos vinhos daquela terra em suas obras imortais. A viticultura nesta área foi introduzida no século VIII a.C.
A uva Aglianico é misteriosa já a partir do nome. Remete a “helênico”, a antiga uva grega. Sob a dominação espanhola a uva era cultivada basicamente em planície (que em espanhol se diz “llano” – o “ll” em italiano se escreve “gl”).
Mas nem todo mundo concorda com essa teoria. Outros afirmam que a palavra vem do grego “aglaós”, que significa “esplendido”, com referência à cor que seus vinhos adquirem.
Seja qual for a origem do nome, a Aglianico é certamente a variedade de uva mais importante do sul da Itália e uma das mais expressivas de toda a bacia do Mediterrâneo. Em alguns lugares é chamada de Nebbiolo do sul.
Sem dúvidas existem analogias. A demarcada tipicidade, a maturação tardia, a delicadeza, o cultivo em apenas zonas limitadas, a propensão (aliás, a exigência) ao envelhecimento, a riqueza em taninos e a alta acidez. Até os aromas são similares: alcaçuz, ameixa, ervas balsâmicas.
Mas a Aglianico é até mais radical. Um Sangiovese pode ser intermediário, até um Nebbiolo, mas um Aglianico não tem meios termos: grandíssimos vinhos ou grandíssimas decepções.
Por que ele cresce bem no sul, especificamente na Campânia? Sobretudo por causa da maturação tardia: é a última uva italiana a ser colhida (entre outubro e novembro). Sem o clima quente e ensolarado do sul a maturação não se completaria e a uva ficaria demasiadamente ácida. Claro que muito sol pode resultar também em muito álcool, ou até pior, em uvas sobre maduras, mas é o preço que tem que se pagar.
Outra coisa que faz essa casta única no sul da Itália é seu solo vulcânico. Isso a salvou da filoxera, que não se desenvolve em zonas ricas em enxofre. Por isso em Campânia e em Basilicata, os vinhedos são plantados ainda em pé franco (coisa raríssima na Europa) e em alguns casos chegam a ter mais de 150 anos de vida! No pé franco tudo nasce e fica melhor: a cor da casca, a consistência, o sabor: o vinho ficará mais rico.
As principais sub-regiões onde temos estas condições são Taurasi, Vulture e Taburno
Taurasi que foi a primeira DOCG do Centro-Sul da Itália (1993), isso já diz muito sobre a importância desta zona. Aqui a uva resulta em vinhos mais macios e com mais potencial de guarda. Os aromas são intensos em fruta silvestre, fumaça, especiarias e couro.
Na área do Vulture, os Aglianicos são mais minerais, com sensações balsâmicas de menta, anis e alcaçuz.
Já na zona do Taburno (a maior aposta para o futuro) os vinhos se expressam num meio termo entre as duas áreas de produção acima citadas, sendo um pouco mais leves e fáceis de beber.
De qualquer forma, todos eles merecem, aliás, necessitam de um tempinho de guarda (ainda mais do que a Nebbiolo): beber um Aglianico em sua juventude é quase um oximoro.
Por incrível que pareça, o principal problema da uva Aglianico é sua curta história. É um paradoxo considerando a idade da casta, mas até 3 ou 4 décadas atrás, foi utilizada quase sempre como uva de corte, justamente pelo seu caráter difícil. Hoje se produz amplamente como monovarietal, mas os produtores ficam divididos por uma dúvida cruel: respeitar a tipicidade ou pegar o “atalho” para o gosto comercial (vinhos mais macios, domados e potentes)?
Um vinho feito com Aglianico, como a natureza quer, seria hoje, considerado duro demais. Mas por outro lado, é justamente essa característica que o torna mais resistente ao uso da madeira, fazendo com que o uso de barricas não o tornem exagerado e até um pouco artificial. Por isso, mesmo utilizando técnicas mais modernas, de maneira geral, a Aglianico ainda consegue manter sua tão rica tipicidade “rabugenta” e impositiva, como se dissesse: ame-me como eu sou ou procure outra coisa num outro lugar, pois eu não vou mudar.
Mas nós sabemos que as relações de amor mais complicadas são também as mais estimulantes e gratificantes. Por isso, quem já conheceu um grande Aglianico nunca mais vai querer se separar dele.

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