
O famoso prato italiano que os italianos não conhecem

Milhões de turistas, depois de visitar “a bota”, ficam chocados e voltam pra casa quase que precisando de terapia ao descobrir que o prato italiano que eles adoram não faz parte dos hábitos alimentares dos italianos. Estamos falando do célebre Fettuccine Alfredo: uma das receitas italianas mais famosas e populares no mundo, mas que os italianos praticamente não conhecem.
Na verdade, na Itália, o prato até existe e é chamado de Fettuccine al doppio burro (dupla manteiga), mas quase ninguém local o consome e a maioria dos italianos nunca ouviu falar do tal Alfredo.
Mas vamos reconstruir os fatos. O Alfredo realmente existiu e ainda foi um dos astros da gastronomia italiana. Alfredo Di Lelio (esse é o nome completo) nasceu no coração de Roma, em 1883. Desde garoto começou a trabalhar com a mãe numa cantina que ela tinha aberto bem em frente ao palácio Montecitorio, sede da Câmara dos Deputados. O jovem Alfredo vinha se destacando pelo seu talento, atraindo uma clientela de classe alta com seu atendimento impecável e cordial. Em 1908, ele improvisou um prato incrivelmente simples, porém muito apetitoso, que vai lhe dar glória eterna: uma porção de talharim (que em Roma se chama fettuccine) cortado fino, adicionado de manteiga muito abundante e uma chuva de parmesão ralado fresco, que oportunamente misturados com a água de cozimento se torna um molho cremoso.
O prato nasceu quase por acaso, carinhosamente criado para a esposa dele, que tinha ficado debilitada e inapetente depois do parto do seu primeiro filho. Ela gostou tanto que o Alfredo começou a servir aquele prato hipercalórico para os clientes, até se tornar especialidade e carro chefe do restaurante. Parte do sucesso foi devido também ao fato de que o Alfredo, personagem peculiar, espetacularizava o ato da batida final do molho se tornando creme, diretamente na frente dos clientes, mesa por mesa. O prato se chamou justamente “Fettuccine Alfredo”, e não “ao Alfredo” enfatizando o vínculo indissolúvel entre a receita e seu criador/intérprete.
Entre os clientes mais fiéis, havia diferentes personalidades da política e do espetáculo. Mas de qualquer forma os tempos não eram fáceis e durante a Primeira Guerra Mundial o restaurante teve que fechar as portas. Anos depois, o Alfredo conseguiu abrir uma nova sede em outro bairro romano, voltando rapidamente ao sucesso, que levou a fama do seu fettucine até aos astros de Hollywood. Mas a Segunda Guerra e os bombardeamentos sobre Roma deixaram Alfredo desanimado a ponto de decidir abandonar a atividade cedendo a gestão de seu local para terceiros.
O fim da Guerra e a paixão de Alfredo para aquele negócio o trouxeram em ação: com a ajuda do filho, montou um novo restaurante chamado “Il Vero Alfredo”, num prédio um pouco distante, mas com amplo estacionamento, onde viaturas diplomáticas e carros de luxo podiam estacionar sem problemas.
No começo da década de 1950, a cidade de Roma e seus estudos cinematográficos se tornaram palco das principais produções americanas: as ruas repletas de artistas internacionais, os paparazzi de plantão, o glamour, a enogastronomia e o saber viver se tornaram símbolos do fenômeno conhecido como “La Dolce Vita”. E o Alfredo, mais uma vez, se confirma grande protagonista. De Brigitte Bardot à família Kennedy, Gregory Peck, Audrey Hepburn e até Jimi Hendrix: é impressionante o elenco das personalidades que sentaram em suas mesas para provar o mítico fettuccine, todas imortalizadas em uma série de fotos nas paredes.
Depois de um século, o prato faz parte do patrimônio gastronômico tradicional da Itália, e os descendentes de Alfredo não podendo patentear a receita se precaveram “blindando” o nome do fundador, tornando “Alfredo” uma verdadeira marca internacional, que da Itália se expandiu mundo afora.
O restaurante original continua em Roma, onde obteve o selo de “Atividade Histórica de Excelência”, mas tem filiais em vários Países, inclusive no Brasil (em Salvador, Bahia).
É difícil dizer porque hoje, o Fettuccine Alfredo, mesmo gozando de tamanha fama no exterior, é praticamente desconhecido no país que o inventou. Talvez nunca tenha se firmado como prato popular para os locais porque inicialmente era servido apenas para high society, depois se tornou muito turístico. É apenas uma suposição. Mas de fato é um prato muito saboroso e que merece ser provado.

Veja outros itens relacionados
-
-
O vinho e o cinema
-
Harmonizando | Receitas para a Seleção Dezembro 2013
-
A importância da safra dos vinhos
-
Os encantos do Vale do Rapel, no Chile
-
O esmagamento da uva e sua influência no vinho
-
Harmonizando | Receitas para a seleção Abril 2015
-
Conhecendo bem a Malbec
-
Aglianico – como beber um vulcão
-
Harmonização com vinhos doces
-
Poder do terroir francês
-
Vignobles Bonfils – Tradição e amor pela terra
Comentários
Esse prato faz parte da minha história:provei pela primeira vez em minha lua de mel. E justo hoje, quando eu e meu marido comemoramos 22 anos de casamento, entro no site e leio essa maravilhosa reportagem! Não é incrível? Parabéns pelo belíssimo texto!