
Vinho bom nasce na vinha: como desmistificar um mito

Você deve ter ouvido esta frase milhares de vezes, tanto pelo viticultor com as mãos calosas quanto pelo diretor geral com as abotoaduras de ouro: ‘’Vinho bom nasce no vinhedo’’. Frase linda, pena que seja falsa sob qualquer ponto de vista, literal e metafórico.
Falso literal
Na vinha não nasce vinho algum. Nasce um fruto, que é a uva. Vinho não é um produto natural, é um produto cultural (aliás, talvez o produto mais intelectualizado do mundo) e a videira não tem nenhum interesse em produzir vinho: ela apenas procura perpetuar a espécie. Ela produz fruta para que caia no solo (ou para que seja levada para pássaros em outros lugares) onde suas sementes formem uma nova planta. Inclusive ela cresce e se desenvolve de maneira bastante desorganizada: o parreiral enfileirado também é uma invenção do homem.
Falso metafórico
A frase subentende que as práticas nos vinhedos, finalizadas a ter uma uva melhor, sejam mais importantes que as práticas dentro da vinícola. Este falso também se demonstra de maneira simples.
Podemos pegar como exemplo os chamados vinhos ‘’naturais’’
(dada a premissa acima que vinho natural de fato não existe)
e provar que eles também nascem na adega.
Uma vez com as melhores uvas ‘’naturais’’ possíveis (só cobre e enxofre, só homeopatia, só prezes, você escolhe),
são as práticas de adega que definem quais vão ser as características do vinho. Mínima intervenção humana, intervenção ‘’iluminada’’, intervenção tecnológica, cruzar os braços e apenas aguardar ou chamar o Michel Rolland e deixar que ele cuide de tudo: poderemos obter centenas, milhares de resultados diferentes: 3 dias de maceração ou 30? Leveduras indígenas ou selecionadas? Aditivos? Nutrientes? Sulfitos? Se sim durante a fermentação ou só antes de engarrafar? Barrica? Nova ou usada?Francesa ou americana? Talvez melhor eslovena? E quanto tempo deixar em garrafa antes da comercialização?Enfim, como pode ver, temos escolhas múltiplas na esfera natural e da mesma forma teremos escolhas múltiplas também na esfera convencional. E isso a partir da mesma uva natural / orgânica / biológica.
Conclusão
O produto uva é obviamente fundamental para a criação do vinho. É a matéria prima única e insubstituível, reservatório de todas as potenciais características e peculiaridades que irão criar o perfil do amado líquido. O bago da uva é o maior concentrado de potencial cultural da agricultura contemporânea, mas o resultado final dentro da garrafa não depende apenas dele: na vinha nasce apenas uva, não vinho.
Portanto ter uma fruta boa é condição necessária, mas não suficiente. A mão hábil consegue enobrecer a matéria prima mesmo quando não for das melhores, e até mesmo em safras problemáticas; ou por outro lado consegue enaltecer e ampliar sua magnificência para décadas (ou séculos) nas safras melhores.
Podemos concluir dizendo que o vinho bom nasce na adega quando uva boa encontra bom conhecimento. A primeira condição sem a segunda é muda; a segunda sem a primeira é cega. Até aqui parece até tudo fácil, se não fosse que um dos maiores problemas é a abundância de surdos.

Veja outros itens relacionados
-
-
Harmonizando – Receitas para Seleção Novembro 2015
-
Para cada tipo de vinho, uma taça
-
Uva Tinta Roriz
-
Harmonizando | Espaguete com molho ragu
-
Receita: Aperitivos de pernil e/ou peru
-
Aglianico – como beber um vulcão
-
Acidez no vinho?! Não tema
-
Legítimo Terroir Brasileiro
-
Conservação de Vinhos sem Mistério
-
Vinho industrial Vs. Vinho artesanal
-
Afinamento, o fino do vinho…
Deixe um Comentário